quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Saiba Dizer Não

SAIBA DIZER NÃO

Convença-se: a disciplina é necessária para educar. As crianças precisam de regras e de saber quais os limites. Seja firme perante os beicinhos e não ceda às birrinhas. Para bem deles
Por Paula Almeida
A   Teresa devia estar cansada daquela conversa dos adultos à mesa do restaurante. E decidiu-se: «Mãe, quero fazer uma birra, para onde é que eu vou?» Por estranha que pareça, a pergunta da pequena Teresavp1.jpg (9708 bytes) fazia sentido. Quando teve a primeira birra, em casa, a mãe reagiu mandando-a para o quarto. E nas seguintes, Luísa Lima, de 39 anos, professora de Psicologia Social e das Organizações no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e na Universidade Lusófona, utilizou a mesma «receita». A Teresa estava habituada àquela regra e, no restaurante, a dúvida era apenas em relação ao local onde podia extravasar a sua insatisfação. Hoje a Teresa tem 11 anos e a mãe confessa que, na altura da sua primeira birra, nem sabia muito bem como devia lidar com a situação. Ocorreu-lhe que, não tendo espectadores, a filha talvez não insistisse tanto na atitude. O mesmo processo utilizou com o Vasco e com o Duarte, agora com 9 e 5 anos, respectivamente. À distância, Luísa Lima pensa que foi uma boa solução.Crianças que fazem birras, se recusam a comer os vegetais, insistem com firmeza que querem ver mais desenhos animados, não querem ir para a cama ou ficar no infantário ou querem mais uma guloseima ou um brinquedo todos os pais conhecem, embora cada uma possa ter as suas «fixações» favoritas e os graus de insistência também variem. Poucos são os pais que nunca se questionaram sobre como lidar com o «não» dos seus filhos, sobre como os habituar a seguir certas regras ou sobre os limites que lhes devem impor.

Autoridade é fundamental
«As crianças e os adolescentes, como qualquer pessoa, necessitam de limites para saberem e poderem viver em sociedade», diz, peremptório, Mário Cordeiro, professor de Pediatria e de Saúde Pública na Faculdade de Ciências Médicas. «Do “bom selvagem”, que tem mais de selvagem do que de bom (Rousseau enganou-se), há que fazer cidadãos autónomos e democratas, respeitadores. É por isso que é necessário dizer “não”, definir limites e estabelecer regras.»
A opinião é partilhada por Maria de Lurdes Candeias, psiquiatra da infância e da adolescência do Hospital D. Estefânia, que, além de considerar a imposição de limites como «um meio para a socialização», lembra o seu papel no desenvolvimento interno da criança, nomeadamente na criação de mecanismos de defesa interiores que lhe permitam lidar com situações adversas. Ao perceber, através da relação com os pais, que existem limites para os seus desejos, «a criança vai criando capacidade de diferir o desejo (de adiar a sua realização) e, quando for mais crescida, é capaz de, mais facilmente, fazer face às vicissitudes da vida».
Os especialistas estão de acordo e também muitos pais são partidários da disciplina. Não a «militar», símbolo de uma época que ignorava o gosto e o sentir da criança, mas a equilibrada, que ajuda a criança a crescer, diferente da permissividade excessiva, que contribui para a insegurança e a falta de rumo de muitos adolescentes. Christina Rebelo de Andrade, sócia da Cadeirinha, empresa que representa a marca holandesa Maxi-Cosi em Portugal, com 36 anos e cinco filhos no currículo, é uma das mães que não tem dúvidas sobre a questão. Entre sorrisos, diz: «Em casa sou general.»
Christopher, de 13 anos, Filipe, de 11, Carolina, de 4, Teresa, de 3, e Sebastian, de oito meses, são a razão que faz Christina dizer: «Acho fantástico ter filhos.» Mesmo quando admite que «é preciso muita, muita paciência para educar as crianças» e recorda as ocasiões em que tem de dizer «não» 20 vezes. «É sempre uma luta impor-lhes as regras», confessa, mas acredita na sua necessidade para que os filhos «aprendam a lutar pelas coisas e a dar-lhes valor». Com os rapazes mais crescidos argumenta-se por causa do computador (o dos pais é proibido) ou da necessidade de calçar outra coisa que não sempre os ténis. A sua receita para conseguir crianças disciplinadas é «ser amiga delas».
Mário Cordeiro aconselha compreensão, mas também firmeza. Embora considere necessário fundamentar as regras e negativas, frisa que os pais não devem ter «medo de ter razão». Segundo ele, não se deve confundir mimo e afecto com regras e cumprimento das mesmas e considera que, se for necessário, deve aplicar-se um castigo sem força física.

Adultos inseguros
Os riscos do excesso de permissividade em termos futuros são a insegurança e os «abalos na auto-estima» do jovem, adianta Mário Cordeiro. E Maria de Lurdes Candeias, baseada na sua experiência (é também terapeuta familiar e trabalha com Daniel Sampaio no Núcleo do Suicídio dedicado aos adolescentes do Hospital D. Maria), diz que crianças de famílias com poucas regras se queixam de abandono físico e afectivo. «Embora não exista abandono afectivo, é sentido pelas crianças e jovens como tal, o que pode originar alterações de comportamento: não comer ou não dormir nos mais pequenos, dificuldade nos estudos ou agressividade nos que têm entre 10 e 14 anos e comportamentos de risco nos mais velhos.»
Paula Teixeira da Cruz, de 36 anos, advogada e vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, considera que «a atitude mais fácil é ceder». Não seguiu esse caminho e pensa que explicar as vezes que for preciso e fazer cumprir as regras «dá resultados muito mais satisfatórios». Mãe de uma rapariga de 15 anos e de um rapaz de 13, defende que «as regras têm que ser percebidas e aceites em função de uma cultura de responsabilidade».
As mães Paula e Luísa apontam a verdade como regra básica. Outra é a necessidade de pai e mãe estarem de acordo entre si em relação às exigências que fazem aos filhos. Consensual é ainda a ideia de que as crianças que estão habituadas a seguir regras se tornam adolescentes mais razoáveis.
Embora considere que se estão a perder factores essenciais para a educação, como a experiência (de vários filhos ou de convivência em família alargada), o bom senso e o instinto, Mário Cordeiro assinala que é preciso «saber de antemão que não existem pais perfeitos ou filhos perfeitos». E reforça: «A imperfeição é o melhor trunfo do ser humano.»

Sem comentários:

Enviar um comentário