quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O significado do Choro - Fábrica de Bébés

http://fabricadebebes.pt/bebe/8760/

Mimo, desconforto, fome, medo… Afinal, o seu filho está a iniciar a adaptação da vida extra-uterina, além de que esta é a única forma de se expressar. Por isso, mantenha a calma e tranquilize o bebé.

Quando se envereda pelo caminho da maternidade e da paternidade, é natural o stress e o sentimento de angústia perante o choro do bebé. Até porque este é o único meio pelo qual o recém-nascido transmite o que sente e as necessidades que tem, daí a importância de manter a calma e deixar transparecer tranquilidade e segurança ao seu filho, desde o primeiro dia.
O choro é a primeira reacção do bebé assim que nasce. Com efeito, a sensibilidade de um recém-nascido ao mundo exterior é traduzida pelo choro, porque sente frio ou calor ou a luminosidade está demasiado forte, ou há muitos ruídos estranhos… Maria de Lurdes Candeias, pedopsiquiatra, reforça: “Várias circunstâncias relacionadas com o parto podem determinar que o bebé chore nos primeiros dias de vida. Em parte, trata-se de uma fase de adaptação à vida extra-uterina e demonstra sensibilidade do bebé a diversos factores ambientais (calor ou frio, demasiada luminosidade, ruído ambiental, etc.) e a factores relacionais, por necessidade do bebé em estar próximo da mãe.” O facto do seu filho estar a chorar nem sempre significa que tem fome ou tem cólicas; pode simplesmente traduzir-se na vontade de receber um mimo. Por isso, mostre-lhe o seu afecto, todos os dias, dando-lhe colo e acariciando-o, gestos que tornam o seu bebé mais confiante, sobretudo ao fim do dia, quando o choro se torna mais forte. Além disso, a especialista aconselha o pedido de ajuda ao pessoal de enfermagem da maternidade ou do centro de saúde da sua área de residência, porque ao “acharem que há indicação para outro tipo de cuidados, irão indicar onde encontrar”, até porque “não há que ter receio em expressar as dificuldades com alguém que possa ouvir e ajudar”, afirma.
À medida que os meses vão passando, o seu filho aprende que o choro é eficaz para chamar a sua atenção. Nesta fase, não vá ver o que se passa nem pegue-o ao colo assim que o ouvir chorar, para que, com o tempo, aprenda a autoconsolar-se com a chupeta ou um objecto que lhe transmita conforto.

Como identificá-lo
No início, o choro é igual em qualquer circunstância. Contudo, com o tempo, vai percebendo as necessidades do seu bebé através do choro, por meio das suas expressões faciais. Maria de Lurdes Candeias fala ainda de intuição, através da qual os pais “percebem o significado do choro do bebé”. Vejamos:
Fome
Se está com a boca entreaberta e a cabeça a movimentar-se de um lado para o outro, como se estivesse à procura da mama ou do biberão, então significa que o seu filho está com fome. Mesmo que ainda não esteja na hora da refeição, dê-lhe leite, porque se não for esse o caso, o bebé rejeita a oferta. A nossa entrevistada aborda o assunto sob o ponto de vista pediátrico e pedopsiquiátrico. Em relação ao primeiro, “será sempre necessário excluir outras situações relacionadas com o aparelho digestivo, tais como ter gases ou dificuldades respiratórias”; no segundo caso, há que ter em conta “os aspectos ambientais e relacionais referidos atrás, acrescidos de outros, tais como a tonalidade da voz da mãe (ou do pai) que pode ser tranquilizante para o bebé, bem como o olhar e o embalar”, sublinha a especialista.
Mimo
Quando o seu filho choraminga, mas acalma assim que o acaricia e fala calmamente com ele, então é porque estava a precisar de atenção. Procure relaxá-lo, mostrando-lhe um boneco com um “ar simpático” e uma música suave.
Desconforto
É natural que, ao fim do dia, o seu filho se sinta cansado e, como tal, apresente um choro ligeiro, pelo que tem apenas de acalmá-lo. Porém, se não acalma com os seus miminhos, verifique se a fralda está suja, se quer arrotar ou está algum ruído a incomodá-lo, por exemplo.
Dores
O rosto do bebé fica vermelho e o semblante fica marcado, ao mesmo tempo que flecte braços e pernas de forma violenta, e o choro é agudo e alto, sendo cortado pequenos períodos de falta de respiração. Face a este cenário, há a probabilidade de se tratar de cólicas, um distúrbio que surge nos primeiros meses e é muito comum nos bebés. Em todo o caso, certifique-se que o seu filho não tem febre ou não lhe dói em alguma zona específica do corpo. Tente acalmá-lo como puder, mas se não o conseguir, ligue para o pediatra.

Consulta de bebés irritáveis
Há, contudo, bebés que são mais difíceis, pois manifestam maior irritação e angústia do que é normal. “Nestes casos, e se todas as medidas tomadas se mostrarem insuficientes, será necessário recorrer ao apoio de um especialista – pediatra, pedopsiquiatra ou psicólogo – que avalie o caso e dê as sugestões terapêuticas”, sugere Maria de Lurdes Candeias. Para o efeito, dirija-se à Consulta de Bebés Irritáveis, da Unidade de Primeira Infância do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, com o objectivo de saber as razões pelas quais o seu filho chora sem parar. Um quadro clínico pode revelar o facto de o pequeno ter dificuldade em adaptar-se ao ritmo do dia-a-dia fora do útero materno, deixando, no início, os pais muito angustiados. Porém, com a ajuda de especialistas, este cenário irá desvanecer com o tempo.
Conselhos básicos
Mesmo que se sinta nervosa perante o choro persistente do seu filho, o importante é manifestar todo seu carinho e acalmá-lo…
– Dê-lhe miminhos e acaricie-o;
– Agarre-o ao colo e chame-lhe a atenção para a árvore que se encontra à frente da janela do quarto;
– Cante-lhe uma canção suave enquanto o embala;
– Profira palavras bonitas ou conte-lhe uma história num tom de voz calma;
– Faça-lhe massagens nas costas, depois de deitá-lo de bruços, ao mesmo tempo que lhe canta uma melodia;
– Enrole-o numa matilha quente, para que se sinta ainda mais protegido;
– Mantenha o secador ligado por algum tempo ou coloque um CD de música suave a tocar.

Com a colaboração de Maria de Lurdes Candeias
pedopsiquiatra
chefe de equipa da Clínica da Juventude
do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.
Hospital de Dona Estefânia

É verdade que os pais gostam mais de uns filhos do que outros? E, se assim for, como justificar estes casos de maior amor e cumplicidade?

Dos mais velhos, diz-se que são mais “certinhos”, mais responsáveis e mais amados. Sobretudo pela mãe. É neles que os progenitores parecem depositar mais esperanças e expectativas, exigindo-lhes mais responsabilidades – nomeadamente a de serem bons alunos. Contudo, assegura-se que são os mais novos que conseguem “dar a volta” aos pais, quebrar as regras familiares e levar os seus caprichos por diante. Acabam por ser os protegidos e aqueles a quem quase tudo é permitido. Entalados entre uns e outros, os irmãos do meio passam a vida à procura de um lugar de maior conforto nesta hierarquia. E a maior parte do tempo, a tentar chamar a atenção sobre si, a afirmar a sua identidade e direitos face aos privilegiados irmãos.

Por outro lado, consta também que as mães têm uma predilecção pelos seus meninos (e os pais pelas suas meninas), enquanto com elas, embora criando alguma cumplicidade – de mulheres – acabam por competir muito mais. Qual o fundamento destas conjunturas, afinal?

Teresa, de 40 anos, a mais nova de quatro irmãos, lembra-se do sentimento de ciúme que a perseguiu durante a infância e na adolescência, embora um pouco menos nesta altura. “Ainda hoje, quando recordo esses tempos, não tenho dúvidas: havia uma grande cumplicidade – e amor – entre a minha mãe e o meu irmão mais velho e isso acabava por nos perturbar no dia-a-dia. A uns mais do que outros, é certo”, lembra, sublinhando que, no entanto, todos sentiam uma predilecção pelo primogénito. “Nós os três também acabá- vamos por ter um fraquinho por ele que, de facto, é uma pessoa especial. É muito afectuoso e está sempre disponível para qualquer um de nós.”
O mundo das relações e os laços que estão presentes numa família são muito complexos e dependem de variadíssimos factores. “Mas todos os filhos são únicos e ninguém ocupa o lugar de ninguém”, afirma o psicólogo Manuel Coutinho.

Os especialistas asseguram que, se existem preferências pontuais (ou para sempre) de dedicação a uns, estas ficam a dever-se a outros factores que não o facto de serem os mais velhos ou não. Mais do que a ordem de nascimento dos filhos, “é sobretudo a idade dos pais quando cada um deles nasce que mais vai influenciar o tipo de relação entre uns e outros e a forma como o casal os vai educar”, diz a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias. É igualmente importante o tempo que medeia entre o nascimento dos vários filhos – deste factor também dependerá o tipo de relação que se constrói entre eles. E, sobretudo, a etapa da relação dos pais enquanto casal.


Etapas de desenvolvimento
Conheça os períodos mais importantes da vida de uma criança, segundo os especialistas.


1 - A primeira grande fase de desenvolvimento ocorre no primeiro ano de vida – no máximo, no primeiro ano e meio

2 - O grande desenvolvimento das células nervosas e o grande desenvolvimento emocional/afectivo ocorre neste período

3 - Nos anos seguintes, haverá um abrandamento a este nível que só será depois renovado na adolescência

4 - O Complexo de Édipo (e de Electra) é vivido entre os três e os cinco anos. Nesta altura, a criança estabelece uma ligação mais forte com
o progenitor do sexo oposto
“A entrada de um novo membro na família durante os primeiros dois anos de vida da
criança pode tornar-se um acontecimento perturbador para ela, pois vai ter de dividir a atenção da mãe com o irmão, a qual era exclusivamente sua, até então”, diz a especialista. “Por outro lado, esta mulher também vai sentir-se um pouco perdida entre
os dois, pois sabe que um e outro, embora de forma diferente, precisam muito da sua atenção
e cuidados. Mais tarde, poderá tender a compensar um deles.”

Segundo Manuel Coutinho, em muitos casos esta situação vai possibilitar que o pai entre
“no terreno”. “Aproxima-se do mais novo, pois
vê a mulher preocupada e ainda muito ocupada com o mais velho. E os dois podem, aí, estabelecer uma relação mais firme e de maior cumplicidade. Muitas vezes para a vida”, diz. “
Se nasce um terceiro filho, então, mais liberta e disponível, a mãe volta-se para o mais novo de forma intensa.”


São nestes primeiros dois anos de vida que a criança mais precisa da atenção e dedicação dos progenitores. É o que garantem os especialistas. Daí considerarem que o intervalo ideal entre os filhos é de cinco anos, aproximadamente. “Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as estruturas do crescimento e do desenvolvimento não levam anos a desenvolver-se. O grande desenvolvimento das células nervosas e o desenvolvimento emocional dos seres humanos acontece precisamente nesta altura”, explica a pedopsiquiatra.

A profissão do casal, no sentido de lhes proporcionar mais ou menos tempo para estar com as suas crianças e, desta forma, cimentar o vínculo, é igualmente importante.

As crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham
as angústias, que sejam firmes.

Seja como for, “não há pais estáticos porque a aprendizagem é constante e dinâmica”, observa Manuel Coutinho. “Logo, ninguém educa dois filhos da mesma maneira. A experiência que se vai adquirindo à medida que se vai integrando o papel de mãe e de pai leva a que os modelos educativos sejam diferentes, apesar de se manterem os valores de referência.”


Numa família o mundo dos laços afectivos é
diverso e muito complexo
“Muitas vezes, são os acontecimentos da vida (life events) que levam a que a atenção dos progenitores tenha de se focalizar mais num dos elementos e, consequentemente, se esqueçam do outro”, explica Maria de Lurdes Candeias, reforçando a ideia de que as pessoas e as famílias são dinâmicas. “Mesmo estando juntas, coesas e unidas, elas estão sempre em movimento. Os vários elementos estão a sofrer influências, tanto do interior como do exterior. Todos nós já passámos por situações em que fomos promovidos e despromovidos.”

De acordo com a pedopsiquiatra, a doença – ou morte – de um dos elementos é uma das situações que mais pode alterar a dinâmica dos agregados. “Por exemplo, a doença de uma avó. Esta situação vai levar a que os vários protagonistas interajam de maneira diferente uns com os outros. Os acontecimentos – mesmo os externos – influenciam as pessoas, ainda que elas não se dêem conta disso”, assegura.

Também não é seguro que as relações entre mães e filhos rapazes sejam sempre fusionais, próximas de um amor incondicional. Nem que as mulheres prefiram ter descendentes do sexo masculino e os meninos gostem mais das suas mães – e as meninas dos seus pais. A maior parte dos especialistas assegura que, mais uma vez, tudo depende de inúmeros factores. “O complexo de Édipo (e de Electra) é vivenciado entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica. O seu declínio marca a entrada no período de latência. Durante a fase fálica há, de facto, uma ligação mais forte com o progenitor do sexo oposto, em detrimento do outro do mesmo sexo. Mas isto não é linear, pois também surgem momentos em que a criança tem atracção por este último”, explica o psicólogo, concluindo: “São situações totalmente normais que devem ser integradas com tranquilidade por todos os elementos da família. Penso que é mais importante lembrar que, independentemente do género, as crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham as angústias, que sejam firmes e que adoptem um modelo educativo em que exista autoridade e não autoritarismo.”

A importância dos laços
O psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá responde à pergunta “Os laços amorosos ou os laços familiares são para sempre?”, no seu livro Tudo o que o Amor não é (Oficina do Livro):


1 - Até mesmo os laços familiares não são para sempre. “Basta que adormeçamos para eles e que se iludam os cuidados que um grande amor precisa ter”

2 - Os laços alimentam-se com gestos atentos e claros, e com uma inflamável esperança
de sermos alguém que não desiste de nos conhecer (mesmo para além do que presumimos saber de nós)

3 - Qualquer “vai-se andando” mata os laços com o silêncio, e devagar. Como os mata imaginar que merecemos dos outros a falta de cuidados que eles nos merecem
Quanto às relações de competição entre pais e filhos, no que respeita concretamente às mães com as suas meninas, Manuel Coutinho defende: “Os filhos podem ter uma relação saudável de competitividade com os pais, desde que não haja inversão de papéis. As regras devem ser, tanto quanto possível, negociadas. Mas a última palavra cabe sempre aos progenitores. Os filhos precisam de pais que funcionem como referência e não de pais que funcionem exclusivamente como amigos e irmãos. A imagem que os filhos têm dos pais é extremamente importante, porque eles tendem a aproximar-se desse pai e dessa mãe ideal.”

Os pais podem, de facto, desenvolver uma relação mais estreita com um dos filhos, mas unicamente por uma questão de feitio – a personalidade em jogo – e pelo que eles representam. É o que garantem os dois especialistas.

Há uma série de identificações que podem levar a que se criem laços mais estreitos com uns do que com outros. “Uma mãe pode sentir-se mais perto de um filho pelo facto de ele ser mais parecido com ela, por exemplo. Ou por ter parecenças físicas e psicológicas com alguém que lhe é muito querido. A teia de afectos é bastante complexa”, comenta, lembrando que é quase sempre durante a adolescência que o filho que se sente descompensado irá questionar os pais e reivindicar os seus direitos. Quando se sentem pouco amados ou rejeitados, não poupam pa- lavras. É o momento da verdade. “A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o primeiro ano de vida correu mal”, comenta a pedopsiquiatra.

“A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o
primeiro ano de vida correu mal.”

Mais do que o lugar dos filhos na família, é o lugar que estes têm na representação mental dos pais que vai definindo as teias da cumplicidade, dos amores e dos desamores, porque também os há. A pedopsiquiatra recorda o caso de uma família em que um filho mais novo passou a ser visto “quase como o símbolo da salvação do pai”, uma vez que foi gerado após a recuperação deste de uma doença grave. “É claro que aquele menino vai ter sempre uma importância excepcional naquela família. No plano das famílias normais, as relações e os laços vão-se estabelecendo desta forma.”

De uma coisa, porém, podemos ter a certeza, segundo os especialistas: um filho nascido de uma relação de amor será seguramente mais amado do que outro que nasça para salvar um casamento. Independentemente de ser o mais velho ou o mais novo ou o do meio.
Saiba Dizer Não

SAIBA DIZER NÃO

Convença-se: a disciplina é necessária para educar. As crianças precisam de regras e de saber quais os limites. Seja firme perante os beicinhos e não ceda às birrinhas. Para bem deles
Por Paula Almeida
A   Teresa devia estar cansada daquela conversa dos adultos à mesa do restaurante. E decidiu-se: «Mãe, quero fazer uma birra, para onde é que eu vou?» Por estranha que pareça, a pergunta da pequena Teresavp1.jpg (9708 bytes) fazia sentido. Quando teve a primeira birra, em casa, a mãe reagiu mandando-a para o quarto. E nas seguintes, Luísa Lima, de 39 anos, professora de Psicologia Social e das Organizações no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e na Universidade Lusófona, utilizou a mesma «receita». A Teresa estava habituada àquela regra e, no restaurante, a dúvida era apenas em relação ao local onde podia extravasar a sua insatisfação. Hoje a Teresa tem 11 anos e a mãe confessa que, na altura da sua primeira birra, nem sabia muito bem como devia lidar com a situação. Ocorreu-lhe que, não tendo espectadores, a filha talvez não insistisse tanto na atitude. O mesmo processo utilizou com o Vasco e com o Duarte, agora com 9 e 5 anos, respectivamente. À distância, Luísa Lima pensa que foi uma boa solução.Crianças que fazem birras, se recusam a comer os vegetais, insistem com firmeza que querem ver mais desenhos animados, não querem ir para a cama ou ficar no infantário ou querem mais uma guloseima ou um brinquedo todos os pais conhecem, embora cada uma possa ter as suas «fixações» favoritas e os graus de insistência também variem. Poucos são os pais que nunca se questionaram sobre como lidar com o «não» dos seus filhos, sobre como os habituar a seguir certas regras ou sobre os limites que lhes devem impor.

Autoridade é fundamental
«As crianças e os adolescentes, como qualquer pessoa, necessitam de limites para saberem e poderem viver em sociedade», diz, peremptório, Mário Cordeiro, professor de Pediatria e de Saúde Pública na Faculdade de Ciências Médicas. «Do “bom selvagem”, que tem mais de selvagem do que de bom (Rousseau enganou-se), há que fazer cidadãos autónomos e democratas, respeitadores. É por isso que é necessário dizer “não”, definir limites e estabelecer regras.»
A opinião é partilhada por Maria de Lurdes Candeias, psiquiatra da infância e da adolescência do Hospital D. Estefânia, que, além de considerar a imposição de limites como «um meio para a socialização», lembra o seu papel no desenvolvimento interno da criança, nomeadamente na criação de mecanismos de defesa interiores que lhe permitam lidar com situações adversas. Ao perceber, através da relação com os pais, que existem limites para os seus desejos, «a criança vai criando capacidade de diferir o desejo (de adiar a sua realização) e, quando for mais crescida, é capaz de, mais facilmente, fazer face às vicissitudes da vida».
Os especialistas estão de acordo e também muitos pais são partidários da disciplina. Não a «militar», símbolo de uma época que ignorava o gosto e o sentir da criança, mas a equilibrada, que ajuda a criança a crescer, diferente da permissividade excessiva, que contribui para a insegurança e a falta de rumo de muitos adolescentes. Christina Rebelo de Andrade, sócia da Cadeirinha, empresa que representa a marca holandesa Maxi-Cosi em Portugal, com 36 anos e cinco filhos no currículo, é uma das mães que não tem dúvidas sobre a questão. Entre sorrisos, diz: «Em casa sou general.»
Christopher, de 13 anos, Filipe, de 11, Carolina, de 4, Teresa, de 3, e Sebastian, de oito meses, são a razão que faz Christina dizer: «Acho fantástico ter filhos.» Mesmo quando admite que «é preciso muita, muita paciência para educar as crianças» e recorda as ocasiões em que tem de dizer «não» 20 vezes. «É sempre uma luta impor-lhes as regras», confessa, mas acredita na sua necessidade para que os filhos «aprendam a lutar pelas coisas e a dar-lhes valor». Com os rapazes mais crescidos argumenta-se por causa do computador (o dos pais é proibido) ou da necessidade de calçar outra coisa que não sempre os ténis. A sua receita para conseguir crianças disciplinadas é «ser amiga delas».
Mário Cordeiro aconselha compreensão, mas também firmeza. Embora considere necessário fundamentar as regras e negativas, frisa que os pais não devem ter «medo de ter razão». Segundo ele, não se deve confundir mimo e afecto com regras e cumprimento das mesmas e considera que, se for necessário, deve aplicar-se um castigo sem força física.

Adultos inseguros
Os riscos do excesso de permissividade em termos futuros são a insegurança e os «abalos na auto-estima» do jovem, adianta Mário Cordeiro. E Maria de Lurdes Candeias, baseada na sua experiência (é também terapeuta familiar e trabalha com Daniel Sampaio no Núcleo do Suicídio dedicado aos adolescentes do Hospital D. Maria), diz que crianças de famílias com poucas regras se queixam de abandono físico e afectivo. «Embora não exista abandono afectivo, é sentido pelas crianças e jovens como tal, o que pode originar alterações de comportamento: não comer ou não dormir nos mais pequenos, dificuldade nos estudos ou agressividade nos que têm entre 10 e 14 anos e comportamentos de risco nos mais velhos.»
Paula Teixeira da Cruz, de 36 anos, advogada e vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, considera que «a atitude mais fácil é ceder». Não seguiu esse caminho e pensa que explicar as vezes que for preciso e fazer cumprir as regras «dá resultados muito mais satisfatórios». Mãe de uma rapariga de 15 anos e de um rapaz de 13, defende que «as regras têm que ser percebidas e aceites em função de uma cultura de responsabilidade».
As mães Paula e Luísa apontam a verdade como regra básica. Outra é a necessidade de pai e mãe estarem de acordo entre si em relação às exigências que fazem aos filhos. Consensual é ainda a ideia de que as crianças que estão habituadas a seguir regras se tornam adolescentes mais razoáveis.
Embora considere que se estão a perder factores essenciais para a educação, como a experiência (de vários filhos ou de convivência em família alargada), o bom senso e o instinto, Mário Cordeiro assinala que é preciso «saber de antemão que não existem pais perfeitos ou filhos perfeitos». E reforça: «A imperfeição é o melhor trunfo do ser humano.»

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O ideal da fome

O ideal da fome

É cada vez mais na puberdade que se cava o caminho da anorexia. A fuga à comida torna-se modo de vida
Por:Joana Nogueira e Marta Martins Silva


Em frente ao espelho, Vera Oliveira vislumbrava uma imagem bem diferente daquela que o mundo conhecia. O corpo, então marcado pela violência de uma doença sem nome, denunciava desde os dois anos e meio sinais de distúrbios alimentares que a ausência de uma estrutura familiar não permitiu refrear; é um dos casos de anorexia nervosa infantil, uma realidade cada vez mais frequente na sociedade actual.
Por cá, a Associação de Pais e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos recebeu em 2009 um pedido de ajuda por dia. Também a Academia Americana de Pediatria alertou para o aumento de 119% nos internamentos de crianças com menos de 12 anos, entre 1999 e 2006. É uma doença com muitos rostos. O mais falado nos últimos dias não teve final feliz: Isabelle Caro, a manequim francesa que deu a cara (e o corpo) pela mais chocante campanha de alerta contra a anorexia morreu com 28 anos e 31 quilos mas começou na infância a luta contra o peso. E contra a vida.
A MELHOR AMIGA
De acordo com Daniel Sampaio, coordenador da Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, "a anorexia nervosa infantil ocorre normalmente nas raparigas entre os 7 e os 12 anos". Vera não foi excepção. "Com dois anos e meio já quase não comia mas a doença manifestou-se de forma mais intensa aos 15 anos, numa fase de revolta com o meio familiar. Quando tinha de almoçar na escola rasgava as senhas e dizia que as tinha perdido, em casa trancava-me na casa de banho durante as refeições. Tornei-me agressiva, fria e revoltada".
Num momento de lucidez, Vera soube que algo estava errado. "Quando passei para o 10º ano apercebi-me de que não estava bem. Tomei vitaminas e passei dos 26 para os 45 quilos. Mas em momentos difíceis a fuga era a não-ingestão de alimentos". As palavras duras que tantas vezes escreveu no diário revelavam uma alma dona de um ódio sem tamanho contra o que as suas carnes simbolizavam. Dos 18 aos 24 anos entrou num processo de autodestruição que teve numa tentativa de violação a desculpa ideal para perder peso.
"Nesse momento jurei que não queria ser mulher, ter corpo e formas femininas. Então passei a comer uma maçã, às vezes nem isso, bebia chás laxantes e vinagre para me queimar por dentro. Era uma sensação de superioridade o facto de conseguir controlar a fome nesse meu mundo, onde ninguém entrava nem me magoava". Mas chegou ao momento em que não comer deixou de ser suficiente. "Comecei a mutilar-me: queimava-me com cigarros e cortava-me. Enquanto o fazia não sentia a dor, apenas alívio. Vivia em função da doença que era a minha melhor amiga. Ela ouvia-me".
Foi internada várias vezes no Hospital de S. João, no Porto, onde não encontrou companhia para a solidão mas graças à compaixão de uma amiga encontrou um atalho no Centro de Tratamento Internacional Villa Ramadas. Hoje tem 28 anos e aprendeu a controlar o problema. Para Eduardo da Silva, director-geral do Villa Ramadas, "a anorexia é a ponta do icebergue de um problema emocional mais profundo e complexo. Estas situações começam a ser diagnosticadas cada vez mais cedo em pessoas mais jovens".
‘Inês’ (nome fictício), hoje com 20 anos, contabiliza os gramas de gordura sem precisar de calculadora. Habituou-se a ser perfeita. Primeiro nas notas, logo na escola primária, depois, no atletismo de alta competição – desporto onde é federada. Nada podia falhar. Tinha de chegar primeiro à meta mas não contava com um adversário de peso na sua saúde: uma anorexia nervosa que começou aos 12 anos e que persiste. Os atletas são vítimas fáceis destes transtornos, quando associados a demais factores psicológicos. Mas ‘Inês’ continuou a batalhar e conseguiu entrar em Medicina perto do 20. Continua a não comer mas está agora a ser acompanhada por uma equipa de médicos a quem diz que sabe que tem de comer mas que não come. ‘Por que não comes, ‘Inês’?’ – perguntaram-lhe na primeira consulta. Ela respondeu: ‘Como tenho muito que estudar, esqueço-me que tenho de comer’. Por fim, admitiu: ‘No fundo, não quero comer’. 

QUERO SER COMO ELE
Nas consultas da pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias, no Hospital de Dona Estefânia, sentam-se todos os dias crianças e jovens com diferentes problemas alimentares mas "apenas entre 0,5 a 2% destes casos são patológicos". Em média o hospital recebe "entre 14 a 34 novos casos por ano". A pedopsiquiatra alerta que não são apenas os diagnósticos de restrição alimentar que podem conduzir a uma anorexia "mas também os de bizarria alimentar – comer coisas estranhas, como giz, terra e papel – e os de selectividade alimentar (só comer determinado alimento)".
Até porque, garante, "mais de 50% das alterações de comportamento alimentar que não são anorexia mais tarde conduzem a situações de anorexia". As causas que explicam os transtornos são múltiplas. Entre elas a vulnerabilidade genética mas também uma série de factores sociais, como a fixação em modelos da televisão. "Há escolas em Lisboa onde existem grupos que rivalizam entre si para ver quem são os mais magros", partilha a especialista. Em linha de conta entram também factores familiares e psicológicos. "Muitas vezes são crianças com traços de personalidade obsessivos e perfeccionistas, que têm uma grande necessidade de controlo".
Ao consultório estes doentes chegam magros, com alterações de tensão arterial, pouco pulso, frio, cabelo quebradiço, tristeza e anemia. Normalmente o que as leva ao médico é o isolamento e a diminuição do rendimento escolar". É uma luta difícil. "Há uma resistência enorme em assumir a doença. Mas nas crianças, se for detectada nos primeiros meses, é mais fácil reverter". O tratamento também prevê o acompanhamento por parte de um nutricionista. "O primeiro passo é pôr em prática um plano alimentar que vai sendo alterado e discutido – mas o importante é definir rotinas", explica a nutricionista Inês Gil Forte.
‘Mariana’ não bebia mais do que o equivalente a um dedal de leite quando chegou ao consultório de Maria de Lurdes Candeias mas foi a falta de rendimento escolar – nela, que até então era boa aluna – que a levou à consulta. Tinha 13 anos. "Na segunda consulta perguntei-lhe o que comia e ela confessou que pouco ou nada. Aí começámos de facto a tratar o problema, que já se manifestava desde os 11 anos".
José Delgado só se apercebeu de que a sua filha ‘Maria’, então com 11 anos, sofria de anorexia quando a sua tristeza já não encontrava subterfúgios e o peso denunciava algo mais do que a má adaptação à nova turma. "Começámos a aperceber-nos de que ela andava triste, isolada e que estava bastante magra". O que havia começado por ser uma restrição a alimentos como doces e hidratos de carbono tomava proporções alarmantes.
"Chegou ao ponto em que não bebia água para não engordar. Para nós, enquanto família, foi uma situação de grande impotência, de muitas dúvidas. Foi então que encontrámos a Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos (AFAAB) e fomos a algumas reuniões de pais numa tentativa de encontrar apoio e respostas".
A doença atingiu o ponto mais delicado aos 13 anos, quando ‘Maria’, com cerca de 28 quilos, deixou de conseguir andar. "Foi o ponto de partida para o começo do tratamento". ‘Maria’, hoje com 22 anos, conseguiu recuperar a sua vida. "Não está curada mas está estável", revela o pai, também membro da direcção da AFAAB.
‘Cristina’ tem a mesma idade, o mesmo percurso, mas não a mesma realidade. O distúrbio alimentar que a acompanha desde os 12 anos ainda não a libertou. "Os primeiros problemas surgiram aos 12 anos, quando ela passou a recusar-se a comer. Na altura teve consultas com um psicólogo e, passados cerca de quatro meses, voltou a comer de tudo e a ter um crescimento e desenvolvimento normais", conta a mãe ‘Anabela’. Mas a situação voltou a agravar-se aos 17 anos. "Quando a doença começou a desenvolver-se era agredida verbalmente todos os dias. É como se o meu anjo de repente se tivesse transformado num demónio".
Os 45 quilos que a balança marcou durante dois anos diminuíram para 36 no Verão de 2009, o que a levou a ser internada no Hospital de São João. O isolamento total e o afastamento da família durante sete semanas foram períodos demasiado dolorosos para quem vive constantemente apavorado com a iminência de uma tragédia sem hora marcada. "Vivo apavorada, só durmo com ajuda psiquiátrica e acordo a chorar. É uma doença que destrói famílias. Por várias vezes pensei no suicídio. Nunca tive coragem de o fazer. Confesso que quando pensamos em férias me sinto constrangida de ir à praia com a minha filha pelo seu aspecto, que é feio", confessa, emocionada.
‘Esqueci a Ana’ passou por isso na primeira pessoa. É o nome de guerra de alguém que superou a doença – porque Ana é uma espécie de código para a anorexia e a mulher que atrás dele se esconde passou pela doença há 30 anos. Ouvimos a sua voz mas não lhe conhecemos cara nem idade. É daquela forma que a tratam todos aqueles que procuram ajuda e conselhos sobre a doença no seu blogue com o mesmo nome – que criou na internet na altura em que a doença matou uma pessoa que conhecia.
Décadas depois de ter "batido no fundo", não sabe em concreto as razões que a levaram à doença. Que a levaram a contar as calorias de um copo de água ou de uma espinha de uma posta de pescada. "Era uma espécie de jogo comigo própria onde podia mostrar que era capaz". Um jogo perigoso que muitos não conseguem deixar de jogar. 

BLOGUES PRÓ-ANOREXIA DEFENDEM QUE A DOENÇA É UM ESTILO DE VIDA E UM DIREITO
"20 anos, Lisboa, Estudante Universitária. Acredito que posso ganhar controlo. Controlo sobre mim, sobre o meu corpo. Quero moldar-me à minha imagem e nunca mais cair no desespero de ser um saco de carne disforme e inútil. Objectivo actual: 45kg. Peso actual: 48kg". É o perfil de um blogue português que se assume pró-Ana (a favor da anorexia) – faz parte de uma ‘família’ na internet que defende que o transtorno alimentar é um direito. Contam calorias, orgulham-se do número de dias sem comer, partilham estratégias para furar o controlo dos pais.
"Anorexia é um estilo de vida e não uma doença. Se é contra esse estilo de vida te aconselho a fechar esta página", escreveu Mih, uma brasileira de 15 anos. Num outro, o lema não podia ser mais claro: "Emagrecer é preciso, viver não é preciso" e "O que me alimenta destrói-me". Em França foram proibidos e nos EUA começa a surgir uma corrente contrária: blogues que se assumem terroristas da anorexia e que deixam mensagens como "Ama o teu corpo tal e qual como ele é". 

DOENÇA AFECTA CRIANÇAS BIOLOGICAMENTE VULNERÁVEIS
De acordo com Daniel Sampaio, não devemos confundir a anorexia com a anorexia nervosa infantil, já que a primeira diz respeito "à falta de apetite que pode aparecer associada a várias doenças". Por sua vez, "as crianças com anorexia nervosa revelam grande preocupação com a imagem, gosto em fazer dietas". Sendo esta uma doença "com uma base genética e que, por isso, afecta as crianças biologicamente vulneráveis", os pais devem estar atentos e procurar a ajuda de um pedopsiquiatra.
Para tentar diminuir o risco de desenvolvimento desta doença "os pais devem garantir que as crianças tenham uma educação alimentar, com cinco refeições por dia". A psicóloga clínica Sofia Nunes da Silva corrobora e acrescenta: "Os pais não podem desvalorizar os sintomas".
NOTAS
PORTUGAL
Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos recebe, em média, um pedido de ajuda por dia.
AUSTRÁLIA
Na Austrália, a Universidade de Sydney detectou o crescimento de novos doentes em 50% em 2009.
INGLATERRA
Em Inglaterra, entre 2004 e 2008, aumentaram 10% os casos de crianças anorécticas com menos de 10 anos.
MORTE
Segundo o The Renfrew Center Foundation, 20% dos anorécticos morre prematuramente.