quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

É verdade que os pais gostam mais de uns filhos do que outros? E, se assim for, como justificar estes casos de maior amor e cumplicidade?

Dos mais velhos, diz-se que são mais “certinhos”, mais responsáveis e mais amados. Sobretudo pela mãe. É neles que os progenitores parecem depositar mais esperanças e expectativas, exigindo-lhes mais responsabilidades – nomeadamente a de serem bons alunos. Contudo, assegura-se que são os mais novos que conseguem “dar a volta” aos pais, quebrar as regras familiares e levar os seus caprichos por diante. Acabam por ser os protegidos e aqueles a quem quase tudo é permitido. Entalados entre uns e outros, os irmãos do meio passam a vida à procura de um lugar de maior conforto nesta hierarquia. E a maior parte do tempo, a tentar chamar a atenção sobre si, a afirmar a sua identidade e direitos face aos privilegiados irmãos.

Por outro lado, consta também que as mães têm uma predilecção pelos seus meninos (e os pais pelas suas meninas), enquanto com elas, embora criando alguma cumplicidade – de mulheres – acabam por competir muito mais. Qual o fundamento destas conjunturas, afinal?

Teresa, de 40 anos, a mais nova de quatro irmãos, lembra-se do sentimento de ciúme que a perseguiu durante a infância e na adolescência, embora um pouco menos nesta altura. “Ainda hoje, quando recordo esses tempos, não tenho dúvidas: havia uma grande cumplicidade – e amor – entre a minha mãe e o meu irmão mais velho e isso acabava por nos perturbar no dia-a-dia. A uns mais do que outros, é certo”, lembra, sublinhando que, no entanto, todos sentiam uma predilecção pelo primogénito. “Nós os três também acabá- vamos por ter um fraquinho por ele que, de facto, é uma pessoa especial. É muito afectuoso e está sempre disponível para qualquer um de nós.”
O mundo das relações e os laços que estão presentes numa família são muito complexos e dependem de variadíssimos factores. “Mas todos os filhos são únicos e ninguém ocupa o lugar de ninguém”, afirma o psicólogo Manuel Coutinho.

Os especialistas asseguram que, se existem preferências pontuais (ou para sempre) de dedicação a uns, estas ficam a dever-se a outros factores que não o facto de serem os mais velhos ou não. Mais do que a ordem de nascimento dos filhos, “é sobretudo a idade dos pais quando cada um deles nasce que mais vai influenciar o tipo de relação entre uns e outros e a forma como o casal os vai educar”, diz a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias. É igualmente importante o tempo que medeia entre o nascimento dos vários filhos – deste factor também dependerá o tipo de relação que se constrói entre eles. E, sobretudo, a etapa da relação dos pais enquanto casal.


Etapas de desenvolvimento
Conheça os períodos mais importantes da vida de uma criança, segundo os especialistas.


1 - A primeira grande fase de desenvolvimento ocorre no primeiro ano de vida – no máximo, no primeiro ano e meio

2 - O grande desenvolvimento das células nervosas e o grande desenvolvimento emocional/afectivo ocorre neste período

3 - Nos anos seguintes, haverá um abrandamento a este nível que só será depois renovado na adolescência

4 - O Complexo de Édipo (e de Electra) é vivido entre os três e os cinco anos. Nesta altura, a criança estabelece uma ligação mais forte com
o progenitor do sexo oposto
“A entrada de um novo membro na família durante os primeiros dois anos de vida da
criança pode tornar-se um acontecimento perturbador para ela, pois vai ter de dividir a atenção da mãe com o irmão, a qual era exclusivamente sua, até então”, diz a especialista. “Por outro lado, esta mulher também vai sentir-se um pouco perdida entre
os dois, pois sabe que um e outro, embora de forma diferente, precisam muito da sua atenção
e cuidados. Mais tarde, poderá tender a compensar um deles.”

Segundo Manuel Coutinho, em muitos casos esta situação vai possibilitar que o pai entre
“no terreno”. “Aproxima-se do mais novo, pois
vê a mulher preocupada e ainda muito ocupada com o mais velho. E os dois podem, aí, estabelecer uma relação mais firme e de maior cumplicidade. Muitas vezes para a vida”, diz. “
Se nasce um terceiro filho, então, mais liberta e disponível, a mãe volta-se para o mais novo de forma intensa.”


São nestes primeiros dois anos de vida que a criança mais precisa da atenção e dedicação dos progenitores. É o que garantem os especialistas. Daí considerarem que o intervalo ideal entre os filhos é de cinco anos, aproximadamente. “Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as estruturas do crescimento e do desenvolvimento não levam anos a desenvolver-se. O grande desenvolvimento das células nervosas e o desenvolvimento emocional dos seres humanos acontece precisamente nesta altura”, explica a pedopsiquiatra.

A profissão do casal, no sentido de lhes proporcionar mais ou menos tempo para estar com as suas crianças e, desta forma, cimentar o vínculo, é igualmente importante.

As crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham
as angústias, que sejam firmes.

Seja como for, “não há pais estáticos porque a aprendizagem é constante e dinâmica”, observa Manuel Coutinho. “Logo, ninguém educa dois filhos da mesma maneira. A experiência que se vai adquirindo à medida que se vai integrando o papel de mãe e de pai leva a que os modelos educativos sejam diferentes, apesar de se manterem os valores de referência.”


Numa família o mundo dos laços afectivos é
diverso e muito complexo
“Muitas vezes, são os acontecimentos da vida (life events) que levam a que a atenção dos progenitores tenha de se focalizar mais num dos elementos e, consequentemente, se esqueçam do outro”, explica Maria de Lurdes Candeias, reforçando a ideia de que as pessoas e as famílias são dinâmicas. “Mesmo estando juntas, coesas e unidas, elas estão sempre em movimento. Os vários elementos estão a sofrer influências, tanto do interior como do exterior. Todos nós já passámos por situações em que fomos promovidos e despromovidos.”

De acordo com a pedopsiquiatra, a doença – ou morte – de um dos elementos é uma das situações que mais pode alterar a dinâmica dos agregados. “Por exemplo, a doença de uma avó. Esta situação vai levar a que os vários protagonistas interajam de maneira diferente uns com os outros. Os acontecimentos – mesmo os externos – influenciam as pessoas, ainda que elas não se dêem conta disso”, assegura.

Também não é seguro que as relações entre mães e filhos rapazes sejam sempre fusionais, próximas de um amor incondicional. Nem que as mulheres prefiram ter descendentes do sexo masculino e os meninos gostem mais das suas mães – e as meninas dos seus pais. A maior parte dos especialistas assegura que, mais uma vez, tudo depende de inúmeros factores. “O complexo de Édipo (e de Electra) é vivenciado entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica. O seu declínio marca a entrada no período de latência. Durante a fase fálica há, de facto, uma ligação mais forte com o progenitor do sexo oposto, em detrimento do outro do mesmo sexo. Mas isto não é linear, pois também surgem momentos em que a criança tem atracção por este último”, explica o psicólogo, concluindo: “São situações totalmente normais que devem ser integradas com tranquilidade por todos os elementos da família. Penso que é mais importante lembrar que, independentemente do género, as crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham as angústias, que sejam firmes e que adoptem um modelo educativo em que exista autoridade e não autoritarismo.”

A importância dos laços
O psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá responde à pergunta “Os laços amorosos ou os laços familiares são para sempre?”, no seu livro Tudo o que o Amor não é (Oficina do Livro):


1 - Até mesmo os laços familiares não são para sempre. “Basta que adormeçamos para eles e que se iludam os cuidados que um grande amor precisa ter”

2 - Os laços alimentam-se com gestos atentos e claros, e com uma inflamável esperança
de sermos alguém que não desiste de nos conhecer (mesmo para além do que presumimos saber de nós)

3 - Qualquer “vai-se andando” mata os laços com o silêncio, e devagar. Como os mata imaginar que merecemos dos outros a falta de cuidados que eles nos merecem
Quanto às relações de competição entre pais e filhos, no que respeita concretamente às mães com as suas meninas, Manuel Coutinho defende: “Os filhos podem ter uma relação saudável de competitividade com os pais, desde que não haja inversão de papéis. As regras devem ser, tanto quanto possível, negociadas. Mas a última palavra cabe sempre aos progenitores. Os filhos precisam de pais que funcionem como referência e não de pais que funcionem exclusivamente como amigos e irmãos. A imagem que os filhos têm dos pais é extremamente importante, porque eles tendem a aproximar-se desse pai e dessa mãe ideal.”

Os pais podem, de facto, desenvolver uma relação mais estreita com um dos filhos, mas unicamente por uma questão de feitio – a personalidade em jogo – e pelo que eles representam. É o que garantem os dois especialistas.

Há uma série de identificações que podem levar a que se criem laços mais estreitos com uns do que com outros. “Uma mãe pode sentir-se mais perto de um filho pelo facto de ele ser mais parecido com ela, por exemplo. Ou por ter parecenças físicas e psicológicas com alguém que lhe é muito querido. A teia de afectos é bastante complexa”, comenta, lembrando que é quase sempre durante a adolescência que o filho que se sente descompensado irá questionar os pais e reivindicar os seus direitos. Quando se sentem pouco amados ou rejeitados, não poupam pa- lavras. É o momento da verdade. “A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o primeiro ano de vida correu mal”, comenta a pedopsiquiatra.

“A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o
primeiro ano de vida correu mal.”

Mais do que o lugar dos filhos na família, é o lugar que estes têm na representação mental dos pais que vai definindo as teias da cumplicidade, dos amores e dos desamores, porque também os há. A pedopsiquiatra recorda o caso de uma família em que um filho mais novo passou a ser visto “quase como o símbolo da salvação do pai”, uma vez que foi gerado após a recuperação deste de uma doença grave. “É claro que aquele menino vai ter sempre uma importância excepcional naquela família. No plano das famílias normais, as relações e os laços vão-se estabelecendo desta forma.”

De uma coisa, porém, podemos ter a certeza, segundo os especialistas: um filho nascido de uma relação de amor será seguramente mais amado do que outro que nasça para salvar um casamento. Independentemente de ser o mais velho ou o mais novo ou o do meio.

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