Por outro lado, consta também que as mães têm uma predilecção pelos seus meninos (e os pais pelas suas meninas), enquanto com elas, embora criando alguma cumplicidade – de mulheres – acabam por competir muito mais. Qual o fundamento destas conjunturas, afinal?
Teresa, de 40 anos, a mais nova de quatro irmãos, lembra-se do sentimento de ciúme que a perseguiu durante a infância e na adolescência, embora um pouco menos nesta altura. “Ainda hoje, quando recordo esses tempos, não tenho dúvidas: havia uma grande cumplicidade – e amor – entre a minha mãe e o meu irmão mais velho e isso acabava por nos perturbar no dia-a-dia. A uns mais do que outros, é certo”, lembra, sublinhando que, no entanto, todos sentiam uma predilecção pelo primogénito. “Nós os três também acabá- vamos por ter um fraquinho por ele que, de facto, é uma pessoa especial. É muito afectuoso e está sempre disponível para qualquer um de nós.”
O mundo das relações e os laços que estão presentes numa família são muito complexos e dependem de variadíssimos factores. “Mas todos os filhos são únicos e ninguém ocupa o lugar de ninguém”, afirma o psicólogo Manuel Coutinho.
Os especialistas asseguram que, se existem preferências pontuais (ou para sempre) de dedicação a uns, estas ficam a dever-se a outros factores que não o facto de serem os mais velhos ou não. Mais do que a ordem de nascimento dos filhos, “é sobretudo a idade dos pais quando cada um deles nasce que mais vai influenciar o tipo de relação entre uns e outros e a forma como o casal os vai educar”, diz a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias. É igualmente importante o tempo que medeia entre o nascimento dos vários filhos – deste factor também dependerá o tipo de relação que se constrói entre eles. E, sobretudo, a etapa da relação dos pais enquanto casal.
Etapas de desenvolvimento Conheça os períodos mais importantes da vida de uma criança, segundo os especialistas. 1 - A primeira grande fase de desenvolvimento ocorre no primeiro ano de vida – no máximo, no primeiro ano e meio 2 - O grande desenvolvimento das células nervosas e o grande desenvolvimento emocional/afectivo ocorre neste período 3 - Nos anos seguintes, haverá um abrandamento a este nível que só será depois renovado na adolescência 4 - O Complexo de Édipo (e de Electra) é vivido entre os três e os cinco anos. Nesta altura, a criança estabelece uma ligação mais forte com o progenitor do sexo oposto |
criança pode tornar-se um acontecimento perturbador para ela, pois vai ter de dividir a atenção da mãe com o irmão, a qual era exclusivamente sua, até então”, diz a especialista. “Por outro lado, esta mulher também vai sentir-se um pouco perdida entre
os dois, pois sabe que um e outro, embora de forma diferente, precisam muito da sua atenção
e cuidados. Mais tarde, poderá tender a compensar um deles.”
Segundo Manuel Coutinho, em muitos casos esta situação vai possibilitar que o pai entre
“no terreno”. “Aproxima-se do mais novo, pois
vê a mulher preocupada e ainda muito ocupada com o mais velho. E os dois podem, aí, estabelecer uma relação mais firme e de maior cumplicidade. Muitas vezes para a vida”, diz. “
Se nasce um terceiro filho, então, mais liberta e disponível, a mãe volta-se para o mais novo de forma intensa.”
São nestes primeiros dois anos de vida que a criança mais precisa da atenção e dedicação dos progenitores. É o que garantem os especialistas. Daí considerarem que o intervalo ideal entre os filhos é de cinco anos, aproximadamente. “Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as estruturas do crescimento e do desenvolvimento não levam anos a desenvolver-se. O grande desenvolvimento das células nervosas e o desenvolvimento emocional dos seres humanos acontece precisamente nesta altura”, explica a pedopsiquiatra.
A profissão do casal, no sentido de lhes proporcionar mais ou menos tempo para estar com as suas crianças e, desta forma, cimentar o vínculo, é igualmente importante.
As crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham as angústias, que sejam firmes. |
Seja como for, “não há pais estáticos porque a aprendizagem é constante e dinâmica”, observa Manuel Coutinho. “Logo, ninguém educa dois filhos da mesma maneira. A experiência que se vai adquirindo à medida que se vai integrando o papel de mãe e de pai leva a que os modelos educativos sejam diferentes, apesar de se manterem os valores de referência.”
![]() Numa família o mundo dos laços afectivos é diverso e muito complexo |
De acordo com a pedopsiquiatra, a doença – ou morte – de um dos elementos é uma das situações que mais pode alterar a dinâmica dos agregados. “Por exemplo, a doença de uma avó. Esta situação vai levar a que os vários protagonistas interajam de maneira diferente uns com os outros. Os acontecimentos – mesmo os externos – influenciam as pessoas, ainda que elas não se dêem conta disso”, assegura.
Também não é seguro que as relações entre mães e filhos rapazes sejam sempre fusionais, próximas de um amor incondicional. Nem que as mulheres prefiram ter descendentes do sexo masculino e os meninos gostem mais das suas mães – e as meninas dos seus pais. A maior parte dos especialistas assegura que, mais uma vez, tudo depende de inúmeros factores. “O complexo de Édipo (e de Electra) é vivenciado entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica. O seu declínio marca a entrada no período de latência. Durante a fase fálica há, de facto, uma ligação mais forte com o progenitor do sexo oposto, em detrimento do outro do mesmo sexo. Mas isto não é linear, pois também surgem momentos em que a criança tem atracção por este último”, explica o psicólogo, concluindo: “São situações totalmente normais que devem ser integradas com tranquilidade por todos os elementos da família. Penso que é mais importante lembrar que, independentemente do género, as crianças devem ter pais securizantes, que lhes contenham as angústias, que sejam firmes e que adoptem um modelo educativo em que exista autoridade e não autoritarismo.”
A importância dos laços O psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá responde à pergunta “Os laços amorosos ou os laços familiares são para sempre?”, no seu livro Tudo o que o Amor não é (Oficina do Livro): 1 - Até mesmo os laços familiares não são para sempre. “Basta que adormeçamos para eles e que se iludam os cuidados que um grande amor precisa ter” 2 - Os laços alimentam-se com gestos atentos e claros, e com uma inflamável esperança de sermos alguém que não desiste de nos conhecer (mesmo para além do que presumimos saber de nós) 3 - Qualquer “vai-se andando” mata os laços com o silêncio, e devagar. Como os mata imaginar que merecemos dos outros a falta de cuidados que eles nos merecem |
Os pais podem, de facto, desenvolver uma relação mais estreita com um dos filhos, mas unicamente por uma questão de feitio – a personalidade em jogo – e pelo que eles representam. É o que garantem os dois especialistas.
Há uma série de identificações que podem levar a que se criem laços mais estreitos com uns do que com outros. “Uma mãe pode sentir-se mais perto de um filho pelo facto de ele ser mais parecido com ela, por exemplo. Ou por ter parecenças físicas e psicológicas com alguém que lhe é muito querido. A teia de afectos é bastante complexa”, comenta, lembrando que é quase sempre durante a adolescência que o filho que se sente descompensado irá questionar os pais e reivindicar os seus direitos. Quando se sentem pouco amados ou rejeitados, não poupam pa- lavras. É o momento da verdade. “A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o primeiro ano de vida correu mal”, comenta a pedopsiquiatra.
“A adolescência reflecte todas as inseguranças, quando o primeiro ano de vida correu mal.” |
Mais do que o lugar dos filhos na família, é o lugar que estes têm na representação mental dos pais que vai definindo as teias da cumplicidade, dos amores e dos desamores, porque também os há. A pedopsiquiatra recorda o caso de uma família em que um filho mais novo passou a ser visto “quase como o símbolo da salvação do pai”, uma vez que foi gerado após a recuperação deste de uma doença grave. “É claro que aquele menino vai ter sempre uma importância excepcional naquela família. No plano das famílias normais, as relações e os laços vão-se estabelecendo desta forma.”
De uma coisa, porém, podemos ter a certeza, segundo os especialistas: um filho nascido de uma relação de amor será seguramente mais amado do que outro que nasça para salvar um casamento. Independentemente de ser o mais velho ou o mais novo ou o do meio.
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